sábado, 27 de outubro de 2012


SOMOS TODOS GABRIELAS?

Quando Jorge Amado concebeu, e nos presenteou, com sua Gabriela, o mesmo sabiamente a construiu não somente como a retirante famigerada, suja, xucra e sedenta de água do sertão da Bahia, que busca uma vida nova, mas sim um símbolo da liberdade, um grito seco e oco pelo reconhecimento, enfim uma força natural de nossa própria natureza. 

Não é de meu intento aqui discutir e/ou discorrer acerca das adaptações que foram realizadas nas duas formas de mídias (cinema e televisão), da obra do autor/escritor, porém, é certo que cada uma delas trouxe consigo sua valorosa contribuição, especialmente pela popularidade que tendem a alcançar.

Gabriela e sua briga para ser apenas quem ela é representa não só as mulheres que querem poder escolher se vão se casar de papel passado e na igreja ou não, representa todo mundo que é oprimido pelos coronéis brancos e ricos. Hoje podemos perceber diversas Gabrielas em nossa sociedade moderna, são as minorias como os negros, gays, pobres, prostitutas, analfabetos e tantas outras classes que vivem à margem do social por não se enquadrarem nas regras e normas impostas por nosso sistema, ou seja, somos Gabrielas quando não desejamos ou não podemos seguir o convencional, o tradicional, quando rompemos com aquilo que é dito “normal”.

É extremamente válido prestar atenção às tiradas de Gabriela, principalmente quando faz comparações como a de que sapato de salto alto aperta a mulher tanto quanto um casamento formal, ou quando diz que vestido de seda “pinica”, ou quando diz que casamento é igual gaiola para passarinho, ou então quando ela diz que não está abandonada depois de se separar do turco Nacib. Ainda, os constantes “porquês” da personagem trazem o sentido de uma inocência natural, chegando mesmo ao infantil, pois a mesma não compreende o motivo de tantas convenções, papéis assinados, formalidades e instituições para simplesmente ser feliz e amar.

Ela quer apenas seguir seu coração e amar o turco Nacib a seu jeito, com seu vestido simples e suas chinelas de couro cru, o cabelão solto, pele bronzeada da cor de canela e seu cheiro natural de cravo. Na sensualidade escancarada da personagem vejo um pano de fundo, um complemento, forte por sinal, para a construção de um estereótipo, afinal o feminino permite permear os meandros do inconsciente humano muito mais do que o masculino.

Particularmente vejo muito de Rosseuau em Gabriela, a coisa do sentir como guia da nossa vida. Uma vida guiada pelos sentimentos, por aquilo que a vida nos dá quando nascemos, e não por aquilo que a sociedade nos obriga quando crescemos. Gabriela é uma mulher com liberdade de menina, sem construções hipócritas que pudessem fazer com que ela sonhasse em ser tal dama da sociedade.

Afinal, como é vista hoje a mulher que não quer casar e ter filhos? Excetuando-se as pessoas que possuem uma concepção de liberdade mais avançada, ela é comumente rotulada de “solteirona”, a mulher liberta que decide a hora e com quem se casar, e se terá filhos ou não. Isso sem falar quando não dizem que mulher depois dos 30 que ainda não casou é lésbica. Sim, precisamos de muitas mais Gabrielas hoje em dia.

Algumas pessoas veem em Gabriela uma mulher submissa que fica cozinhando e esperando o marido para lhe dar amor. Eu percebo uma mulher que escolheu uma vida simples e que não abaixa a cabeça para o marido, uma mulher à frente de seu tempo, embora não tenha a noção exata disso, uma mulher que grita através de sua beleza, um grito libertário, ainda representado de forma incompreensível para a maioria dos viventes daquela época e ainda na atualidade.

Portanto, penso ter alcançado minha intenção ao longo das linhas acima, qual seja: o de demonstrar o sentido do título: Somos Todos Gabrielas? Creio que a resposta é sim, somos todos Gabrielas, todos trazemos conosco um pouco dessa necessidade de liberdade, de voar que nem passarinho, como na fala da personagem, todos nós temos esse grito preso na garganta, um grito de inconformismo, um grito visceral.                                
                                                                                             Por Cléber Costa. 27.10.2012

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