SOMOS TODOS GABRIELAS?
Quando Jorge Amado concebeu, e nos presenteou, com sua Gabriela, o
mesmo sabiamente a construiu não somente como a retirante famigerada, suja,
xucra e sedenta de água do sertão da Bahia, que busca uma vida nova, mas sim um
símbolo da liberdade, um grito seco e oco pelo reconhecimento, enfim uma força
natural de nossa própria natureza.
Não é de meu intento aqui discutir e/ou discorrer acerca das
adaptações que foram realizadas nas duas formas de mídias (cinema e televisão),
da obra do autor/escritor, porém, é certo que cada uma delas trouxe consigo sua
valorosa contribuição, especialmente pela popularidade que tendem a alcançar.
Gabriela e sua briga para ser apenas quem ela é representa não só
as mulheres que querem poder escolher se vão se casar de papel passado e na
igreja ou não, representa todo mundo que é oprimido pelos coronéis brancos e
ricos. Hoje podemos perceber diversas Gabrielas em nossa sociedade moderna, são
as minorias como os negros, gays, pobres, prostitutas, analfabetos e tantas
outras classes que vivem à margem do social por não se enquadrarem nas regras e
normas impostas por nosso sistema, ou seja, somos Gabrielas quando não
desejamos ou não podemos seguir o convencional, o tradicional, quando rompemos
com aquilo que é dito “normal”.
É extremamente válido prestar atenção às tiradas de Gabriela,
principalmente quando faz comparações como a de que sapato de salto alto aperta
a mulher tanto quanto um casamento formal, ou quando diz que vestido de seda
“pinica”, ou quando diz que casamento é igual gaiola para passarinho, ou então
quando ela diz que não está abandonada depois de se separar do turco Nacib.
Ainda, os constantes “porquês” da personagem trazem o sentido de uma inocência
natural, chegando mesmo ao infantil, pois a mesma não compreende o motivo de
tantas convenções, papéis assinados, formalidades e instituições para
simplesmente ser feliz e amar.
Ela quer apenas seguir seu coração e amar o turco Nacib a seu
jeito, com seu vestido simples e suas chinelas de couro cru, o cabelão solto,
pele bronzeada da cor de canela e seu cheiro natural de cravo. Na sensualidade
escancarada da personagem vejo um pano de fundo, um complemento, forte por
sinal, para a construção de um estereótipo, afinal o feminino permite permear
os meandros do inconsciente humano muito mais do que o masculino.
Particularmente vejo muito de Rosseuau em Gabriela, a coisa do
sentir como guia da nossa vida. Uma vida guiada pelos sentimentos, por aquilo
que a vida nos dá quando nascemos, e não por aquilo que a sociedade nos obriga
quando crescemos. Gabriela é uma mulher com liberdade de menina, sem
construções hipócritas que pudessem fazer com que ela sonhasse em ser tal dama
da sociedade.
Afinal, como é vista hoje a mulher que não quer casar e ter
filhos? Excetuando-se as pessoas que possuem uma concepção de liberdade mais
avançada, ela é comumente rotulada de “solteirona”, a mulher liberta que decide
a hora e com quem se casar, e se terá filhos ou não. Isso sem falar quando não
dizem que mulher depois dos 30 que ainda não casou é lésbica. Sim, precisamos
de muitas mais Gabrielas hoje em dia.
Algumas pessoas veem em Gabriela uma mulher submissa que fica
cozinhando e esperando o marido para lhe dar amor. Eu percebo uma mulher que
escolheu uma vida simples e que não abaixa a cabeça para o marido, uma mulher à
frente de seu tempo, embora não tenha a noção exata disso, uma mulher que grita
através de sua beleza, um grito libertário, ainda representado de forma
incompreensível para a maioria dos viventes daquela época e ainda na atualidade.
Portanto, penso ter alcançado minha intenção ao
longo das linhas acima, qual seja: o de demonstrar o sentido do título: Somos
Todos Gabrielas? Creio que a resposta é sim, somos todos Gabrielas, todos
trazemos conosco um pouco dessa necessidade de liberdade, de voar que nem
passarinho, como na fala da personagem, todos nós temos esse grito preso na
garganta, um grito de inconformismo, um grito visceral.
Por Cléber Costa. 27.10.2012